quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O PRIMO DO BASÍLIO

Ele falava pra todo mundo lá na padaria do "seu Manoel" no bairro do Mandaqui, que era primo do herói corinthiano Basílio, autor do famoso gol que deu o título do Campeonato Paulista de 1977 ao Timão e libertou a Fiel de um sofrimento de 23 anos sem títulos. Com essa história José Roberto Basílio, o Zoca como é conhecido, se tornou figura emblemática no bairro.
Ele participava das peladas nos campos e quadras das redondezas desde garoto, mas nunca demonstrou ter qualquer inclinação para o futebol. Os amigos o deixavam participar na esperança de algum dia serem premiados com a visita do primo ilustre e, quem sabe, ganharem um autógrafo seu. Porém, jamais alguém tinha visto o Zoca na companhia de seu primo famoso, o João Roberto Basílio, ou apenas Basílio no meio futebolístico. Ele também nunca havia mostrado pelo menos uma foto ao lado do jogador, nem tampouco um autógrafo e nem mesmo uma camisa 8 do Timão dos anos 70, o que poderia até serem aceitos como prova de seu parentesco. Mas nada. Apenas a semelhança do nome e o mesmo sobrenome é que davam sustentação ao figurão Zoca. O "seu" Manoel, dono da padaria onde o pessoal se encontra todo sábado depois das peladas pra tomar umas geladas e jogar conversa fora ficava indignado.

Certo dia ele pôs uma pressão em cima do Zoca:
-Ó gajo, tu falas aos quatro cantos que és primo do tal Basílio, o herói corinthiano, mas até hoje nunca ninguém te viu com el', ó pá! Que raio de parentesco é iesse, homem? Pelo que sabemos o tal Basílio não é esnobe nem nada, é um gajo bestial. O que passa?
-Ah "seu" Manoel, sabe como é né. Gente famosa não gosta de ficar por aí dando mole. Tem que preservar a imagem. Meu primo é muito reservado. Mas eu vou sempre à casa dele, quando faz churrasco me convida.
-Está certo, se tu dizes eu acredito, mas tu vais fazer uma coisa por mim.
-Diga lá portuga, o que é? - falou o Zoca.
-O Basílio começou a carreira na minha querida Lusa, ó pá. Então, quando fores à casa del' eu vou mandar uma camisa da briosa para el' autografar pra mim.

Por essa o Zoca não esperava. Gaguejou e falou:
-"Seu" Manoel, vai ser um prazer fazer isso para o senhor, mas vai ser assim, de graça?
-Eu sabia que tu não me farias um favor desses a troco de nada não é. Pois bem, que todos sejam testemunhas que no dia que trouxeres a minha camisa da Portuguesa autografada pelo teu suposto primo Basílio, terás direito, tu e teus amigos a beberem cerveja de graça, todo sábado por um mês neste estabelecimento.

Os olhos de Zoca brilharam e a euforia dos amigos foi grande. Porém o "seu" Manoel, que não é burro nem nada completou:
-Mas tem uma condição aí, não penses que vai ser assim tão fácil, ó pá.
-Pode falar "seu" Manoel, qualquer coisa eu aceito.
-Você e seus amigos poderão beber cerveja de graça todo sábado, durante um mês neste estabelecimento, desde que teu suposto primo Basílio esteja junto, confere?

Enquanto "seu" Manoel dava gargalhadas alisando o bigode os amigos de Zoca ficaram calados olhando um para a cara do outro na certeza de que não teriam cerveja de graça coisa nenhuma.
Porém o Zoca respondeu:
-"Seu" Manoel, me dá cá a camisa da Lusa e pode encher suas geladeiras que no próximo sábado já vai ter cervejada aqui.
-É o que vamos ver, é o que vamos ver "seu" Zoca.

E Zoca pegou a camisa das mãos do português e se foi.
Passada uma semana, no sábado seguinte, no fim da tarde como de costume, a turma que havia jogado uma pelada se reuniu na padaria do "seu" Manoel, porém o Zoca não estava presente.
O semblante do português ficou sério e com ares de preocupado perguntou aos presentes:
-Onde está aquel' tratante? Cadê o Zoca com a minha camisa da Lusa? Será que perdi o freguês e a minha adorada camisa da briosa? Era só o que me faltava, como fui acreditar naquel' mentiroso?

De repente, para a surpresa de todos entra na padaria o Zoca com a camisa da Portuguesa devidamente autografada por Basílio e com uma inscrição: "cerveja tem que ser bem gelada". 
O portuga quase caiu das pernas. Zoca então falou:
-Portuga, desce cerva bem gelada para mim, para meus amigos e para meu primo Basílio.
E eis que para a admiração de todos e desespero do "seu" Manoel entra no seu estabelecimento o grande ídolo da nação corinthiana Basílio, autor do gol mais famoso do Brasil e fala:
-Nunca duvidem do que  um Basílio é capaz.

E durante os quatro sábados seguintes a rotina na padaria do "seu" Manoel foi a mesma. Cerveja de graça para os amigos do Zoca e para o primo Basílio.
Até hoje não se sabe se o Basílio é mesmo primo do Zoca, mas que ele gosta de uma cervejinha, isso é sabido por todos.  

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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A EX BRAVA ISAURA

Isaura era uma solteirona de quase quarenta anos que morava com a mãe numa casinha de dois cômodos em um vilarejo rural chamado Peitudos, na região sul de Minas Gerais.
Era famosa no local e nas redondezas, não por dotes físicos, pois era feiosa a coitada, mas pelo seu grande mau humor. Isaura nunca tivera um namorado nem um paquera sequer. Na escola sempre fora preterida pelos rapazes, até pelos capiaus mais desajeitados. Era muito trabalhadora e desde que seu pai falecera quando ainda era uma adolescente, trabalhou duro na roça para sustentar a si e a sua mãe. Estudou na escola rural local até completar o ensino fundamental e depois foi estudar magistério na cidade. Durante três anos acordava às 5:00 horas da manhã, tomava o ônibus e voltava às 12:00 horas, almoçava e cuidava da roça até anoitecer. Depois de tomar um banho e jantar, sentava-se no alpendre da casinha, conversava um pouco com a mãe e quando esta ia dormir, ficava sentada mais um pouco, sob a luz de um lampião lendo, que era seu maior prazer na vida. No ônibus escolar ela não conversava com ninguém pois todos a tinham como esquisita, o que a aborrecia muito e deixava-a tão furiosa a ponto de trocar socos com os garotos. As meninas então, nem se fala, morriam de medo dela e a chamavam de medonha.
Passados os três anos, formou-se no magistério e foi contratada pela prefeitura para lecionar na escola rural onde havia estudado. Então Isaura tornara-se professora, deixando de lado o trabalho na roça. Como era de se esperar, Isaura era tremendamente brava com os alunos, sobretudo com os preguiçosos, que não eram poucos. Eles até tentavam agradá-la levando presentes típicos da roça como frutas, galinhas, leitões e teve até um que levou uma vaca leiteira, mas nada agradava a moça. Puxões de orelha eram o castigo mais brando que impunha aos alunos. Colocava-os ajoelhados sobre grãos de milho com o rosto colado na parede, deixava-os em pé durante toda a aula e sem recreio, ficava muitas vezes até duas horas a mais depois das aulas com alunos de castigo fazendo exercícios de matemática. Era realmente muito brava. Nem sua mãe, que ao contrário da filha era um doce de pessoa, sabia explicar os motivos de tanto mau humor da moça.
Não havia muito para se fazer naquele lugarejo. A rotina de Isaura era de casa para a escola, da escola para casa e aos domingos ia na igreja com a mãe. O padre ficava receoso quando via Isaura na fila da confissão pois sabia que lá vinham muitas e muitas queixas da moça sem que ele pudesse fazer nada para ajudar, a não ser ordenar que rezasse muitos pai nossos e aves Maria, o que a deixava muito brava até o ponto de brigar com o pobre vigário, como se este tivesse culpa pelos seus infortúnios. De vez em quando o pároco promovia uma quermesse e era o momento de maior alvoroço no vilarejo, pois todos participavam, moços e moças, velhos e velhas, crianças, adolescentes, homens e mulheres em geral. Todos menos uma, Isaura. As poucas vezes que foi voltou para casa com raiva pois sempre acabava brigando com alguém, geralmente com algum rapaz que a fazia de boba mandando correio elegante falso marcando encontro e a deixando plantada esperando enquanto os outros riam dela. Por isso, há muitos anos, quando tinha quermesse ela se fechava em sua casa e não saía para nada. Sua pobre mãe insistia mas ela não colocava a cara para fora da porta. Depois de muito brigar, sua mãe se cansava e a deixava em paz e ia para a festa. Porém, desta vez aconteceu algo diferente. O padre anunciara no domingo anterior à quermesse que espalhara convites por toda a região e até na cidade e que muitas pessoas diferentes viriam e aquela seria a melhor e maior quermesse jamais realizada naquela paróquia. Aquilo aguçou a curiosidade de Isaura e no sábado de manhã chamou sua mãe e foram para a cidade comprar roupas novas, o que não faziam há muito tempo. Sua mãe foi sem perguntar nada pois sabia que se perguntasse receberia uma resposta atravessada da filha. Isaura entrava e saía das lojas sem nada comprar, pois sempre brigava com as vendedoras, até que chegou em uma loja que realmente gostou de uma roupa e acabou comprando, mesmo brigando com o gerente que não lhe concedeu desconto. Passou em outra loja e comprou um perfume, depois saiu da loja e foi a um salão de beleza. Cortou os cabelos, fez as unhas das mãos e dos pés e depois de brigar com a manicure que lhe tirou um bife da cutícula, foi embora. Realmente seu visual melhorara bastante e com isso sua autoestima elevou-se também. Para a surpresa de sua mãe, do padre e de todos os locais, Isaura aparecera na quermesse depois de muitos anos. Apenas sua simples presença já causaria alvoroço, ainda mais agora com aquele visual diferente, perfumada e muito bem arrumada. Ela ameaçou brigar com todos que a olhavam com surpresa, porém sua mãe deu-lhe um cutucão, chamou-a para um canto e implorou que a filha se comportasse e ela o fez.
Sentaram-se em uma das mesas e ela olhou em seu redor e realmente havia muita gente diferente, de outros lugares que ela nunca havia visto. Em uma das mesas estavam sentados um casal e um homem de meia idade, moreno, calvo, de óculos e com os poucos cabelos que ainda lhe restavam grisalhos. Mas ele tinha uma presença interessante, estava sempre rindo com os demais, contava piadas, parecia muito bem humorado e aquilo chamou a atenção de Isaura. Por um instante aquele homem olhou em sua direção e percebeu-a olhando-o. Os olhares se cruzaram e algo estranho aconteceu com Isaura. Ela tremeu e sentiu sua mão ficar suada. Aquilo nunca lhe acontecera antes. O homem, por sua vez, percebeu  algo na moça diferente das mulheres que conhecera até então. De súbito, interrompeu uma piada que contava aos amigos e foi em direção a Isaura. Quando o homem se aproximou ela ficou sem saber o que fazer. Ele parou à sua frente, olhou-a nos olhos e falou:
-Olá, boa noite, tudo bem? Meu nome é Francisco, pode me chamar de Chico. Posso me sentar?
Nesse instante a mãe de Isaura pediu licença e saiu rapidinho para não atrapalhar o que ela entendeu como sendo uma paquera, o que nunca havia presenciado acontecer com a sua filha.
Isaura olhou séria para o homem e sua vontade foi mandá-lo voltar para onde havia saído, mas algo a impeliu a ser cordial, pelo menos aquela vez. Ela então respondeu:
-Olá, tudo bem, meu nome é Isaura. E emudeceu.
Chico, um homem experiente na vida, que já conhecera uma dezena ou mais de mulheres, viu tratar-se de uma inexperiente na arte da paquera, por isso tomou as rédeas da situação e perguntou novamente:
-Posso me sentar com você?
Não havia outra saída para Isaura a não ser concordar, e ela o fez com a cabeça. À partir daí os dois engrenaram uma conversa, o que deixou todos os locais espantados, pois nunca haviam visto Isaura trocar mais que duas palavras cordiais com alguém, principalmente com um homem.
Os amigos do Chico também ficaram curiosos e resolveram ir até a mesa onde o casal estava para conhecer a tal moça que roubara a atenção do amigo. Aproximaram-se e Chico os apresentou:
-Esta é Isaura, ela mora aqui em Peitudos e é professora na escola municipal.
Esses são meus amigos Iran e Lúcia, eles tem um sítio aqui perto e de vez em quando eu os visito.
Apresentados todos, o casal de amigos voltou para sua mesa e assim foi até o fim da festa. Chico e Isaura conversavam animadamente quando a mãe dela se aproximou e ela o apresentou:
-Mãe, este é o Chico, ele mora em Campinas e veio visitar seus amigos que moram num sítio aqui perto.
Sua mãe olhou aquele homem e viu nele alguém que poderia mudar a vida de sua filha; pressentimento de mãe. Então disse:
-Muito prazer “seu” Chico, meu nome é Amélia.
Ele respondeu com a polidez que lhe era característica:
-O prazer é todo meu “dona” Amélia, encantado em conhecê-la.
Dona Amélia então disse que estava na hora de irem para casa e todos se despediram.
Aquela noite Isaura foi dormir sorridente e com uma sensação de bem estar como nunca havia sentido antes.
Na manhã seguinte, logo cedo, Chico estava no vilarejo para a missa, coisa nada comum para ele, mas como havia combinado com Isaura foi cumprir sua palavra. Encontrou-se com ela e sua mãe na frente da igreja, conversaram um pouco e logo entraram. A mãe de Isaura foi para a fila da confissão mas a moça desta vez não foi, preferiu sentar-se num banco ao lado do convidado. O padre sentiu-se aliviado.
Depois da missa ela o levou para almoçar em sua humilde casa. A comida era simples mas muito boa, preparada a quatro mãos. Isaura e sua mãe cozinhavam muito bem. Comeram frango caipira no molho, mandioca cozida, arroz, feijão e farinha de milho. No caminho entre a igreja e a casa de Isaura Chico passara num bar e comprara umas cervejinhas geladas, coisa que não dispensava, ainda mais num domingo.
Após o delicioso almoço, sentaram-se no alpendre da casa e conversaram um pouco. Chico então convidou Isaura para um passeio em seu carro. A moça hesitou mas sua mãe incentivou e ela foi. Chico levou-a até a cidade, foram a uma sorveteria, tomaram um delicioso sorvete e quando entraram no carro para voltarem para casa, inesperadamente Chico cravou-lhe um beijo na boca.
Isaura ficou atônita, sem saber como agir, mas gostou e continuou beijando e sendo beijada. Calafrios passaram pelo seu corpo e sentiu coisas que nunca tinha sentido antes e estava gostando. Muitos beijos depois, pegaram a estrada de volta para casa e ao passarem por um cafezal, a moça pediu que Chico parasse o carro. Desceram e adentraram na roça. Ela mostrou-lhe onde trabalhou durante muitos anos da sua vida e levou-o a um canto, debaixo de uma frondosa mangueira onde voltaram a se beijar e acabaram por consumar uma relação sexual. A moça que até então era virgem, jamais experimentara tal sensação e ficou quase que em transe. Chico, que embora experiente nunca havia estado com uma virgem, também. Depois de alguns minutos sem nada dizerem, quando voltaram ao estado normal descobriram-se perdidamente apaixonados.
Voltaram para a casa de Isaura e anunciaram à sua mãe que pretendiam se casar. A mãe ficou eufórica e aceitou no mesmo instante. Foram naquele dia mesmo falar com o vigário, que abençoou de pronto e marcaram a data. O Chico que já estava aposentado, mudou-se para a casa de Isaura, montou um bar no vilarejo e depois de alguns dias se casaram.
Nunca mais se ouviu falar que Isaura tivesse brigado com alguém, nem mesmo com o Chico que às vezes exagerava na dose das bebidas que tinha em seu próprio bar, deixando por vezes até clientes sem ter o que beber.
Isaura agora era uma nova mulher. O que faltara à ela esses anos todos era um homem e agora ela o tinha, não havia mais motivos para mau humor. Seus alunos nem lhe presenteavam mais e mesmo assim ela era atenciosa e não colocava mais ninguém de castigo. Não brigava mais com o padre, embora não mais se dirigia ao confessionário, mas o vigário não se preocupava com isso. Passava pelas ruas do vilarejo sorridente e cumprimentava a todos, independentemente se a cumprimentavam ou não. Ela estava feliz.
E assim ficou conhecida no vilarejo como a ex brava Isaura!   




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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS EM CUBA

Brás era um bom sujeito. Sempre fora estudioso, o orgulho da mamãe. Saiu do interior do estado do Paraná, de um lugarejo chamado Arapuã aos 19 anos para ingressar no exército na capital, Curitiba. Ali, estudioso como era aproveitou a oportunidade e fez carreira militar. Na época os militares gozavam de muito prestígio no Brasil, pois eram eles os donos do poder. Brás era ambicioso, sonhava em galgar altos cargos e tornar-se um dia, quem sabe, presidente do Brasil. 
Tudo ia bem em sua vida até que o regime militar deixou o poder. O movimento popular chamado "Diretas já" ganhou força e a democracia voltou aos poucos a imperar no país. Com isso, Brás ficou desgostoso e viu seu sonho de se tornar presidente ruir. Porém, com o tempo ele percebeu que não queria mais ficar no serviço militar e pediu sua baixa. Brás via aos poucos um homem simples, um trabalhador do povo, um metalúrgico e líder sindicalista, que havia tido grande participação no movimento "Diretas já", destacar-se no meio político e resolveu aliar-se a ele. Filiou-se ao PT(Partido dos Trabalhadores) e vislumbrou novamente a oportunidade de galgar um grande cargo político e tornar-se presidente do país.
O sindicalista cresceu muito politicamente. Foi eleito deputado federal, disputou eleições para presidente e perdeu. Mais uma vez esteve engajado em outro movimento popular, o movimento dos "Caras pintadas" que levou o presidente da república da época a ter seu mandato cassado. Com esse acontecimento, o sindicalista e agora amigo de Brás, Lula, como era conhecido, ganhou ainda mais força política e alguns anos mais tarde finalmente fora eleito presidente do Brasil. Brás não acreditava no que acontecia. Ele, que sempre sonhou ser presidente do país, não era, mas era amigo chegado do próprio, de tomar cachaça juntos. Nunca se candidatou a nada porque não queria cargos considerados por ele menores. Certa vez seu amigo Lula incentivou-o a candidatar-se a deputado, ele recusou. A Senador, e ele também recusou. Em outra feita, Lula apelou a que ele se candidatasse a governador, e nada. Então o presidente resolveu nomeá-lo ministro chefe da casa civil, no lugar de um "companheiro" que envolvera-se num esquema de corrupção e novamente ele recusou.
Mas, onde ia Lula Brás ia com ele. Era um membro efetivo da comitiva do presidente. Conheceu o mundo viajando no aerolula, como era conhecido o avião do presidente. O lugar que ele mais gostava de ir era Cuba. Foi pra lá dezenas de vezes. Tornou-se amigo e confidente do então presidente Fidel Castro. E foi numa dessas idas a Cuba que Brás teve uma passagem inusitada que ele jamais contou a ninguém, mas deixou escrito para ser lida depois de sua partida.
"Numa de minhas viagens a Cuba, Fidel pediu-me para ficar mais alguns dias. Falei com Lula e ele consentiu, dizendo que o "companheiro" Fidel merecia que eu atendesse seu pedido. Pois bem, Lula e a comitiva vieram embora e lá fiquei com meu amigo. Conversávamos sobre tudo, ele me contava suas aventuras amorosas, suas paixões, falava da sua intolerância com os Estados Unidos e com as coisas dos países capitalistas e sobretudo de suas ambições. É, ele ainda tinha ambições, apesar de estar com a saúde um tanto debilitada, falava como quem viveria para sempre e um dia dominaria o mundo. Fumávamos charutos diariamente. Passávamos o dia sem fazer absolutamente nada em sua biblioteca que parecia estar sempre pegando fogo, tal a quantidade de fumaça que saía pelas janelas. Ele tinha uma biblioteca enorme, com milhares de volumes de livros do mundo inteiro. Seus preferidos, claro, eram O Capital de Karl Marx e a biografia de Vladimir Ilitch Lenin que receberam encadernação especial e lugar de destaque na estante principal da biblioteca.
Certa manhã perguntei-lhe por que motivo pediu-me para ficar mais alguns dias por lá e ele me respondeu:
-Sua companhia me faz muito bem. Para mim, você e o "camarada" Lula são como se fossem a mesma pessoa de tão parecidos. Como ele não pode ficar por causa dos compromissos oficiais, achei que seria bom ter a sua companhia. Venha, quero lhe mostrar uma coisa.
Senti-me honrado com a consideração de Fidel por Lula e por mim e curioso para ver o que tinha para me mostrar. Então, apertou um botão escondido em uma das estantes da biblioteca e uma porta abriu-se. Não pude acreditar no que via. Era um grande salão, lindamente mobiliado com o que tinha de mais luxuoso e caro. Havia aparelhos eletrônicos sofisticados e de última geração. Telão Sony de 80 polegadas com canais via satélite onde Fidel assistia seus filmes e programas esportivos favoritos, e pasmem, americanos. Computadores HP com processadores Intel e sistema operacional Windows onde ele batia papo com mulheres do mundo todo fazendo-se passar por um jovem galã morador de Miami. Centenas de litros de whisky Jack Daniel's, vários refrigeradores abarrotados de Coca-Cola, uma máquina de fabricar sanduíches instantâneos e outra de sorvetes Mc Donald's. Numa parede tinha dezenas de flâmulas de times de baseball(Florida Marlins), basketball(Orlando Magic), football(Miami Dolphins) e até hockey(Florida Panthers). Muitas máquinas de jogos eletrônicos e vídeogames onde os netos de Fidel jogavam.
Fiquei chocado e perguntei:
-Mas "companheiro" Fidel, o que é isso?
E ele, com sua costumeira calma, ajeitou o charuto no canto da boca e respondeu:
-Isso meu "camarada" Brás, é o modo de vida que eu sempre sonhei ter, mas que pela perda de uma aposta nunca pude. 
-Como assim? Perguntei.
-Bom, quando garoto tinha um amigo, o Juanito. Nosso sonho era morar em Miami e apostamos quem deveria ir e quem deveria ficar e comandar uma revolução em nosso país. Eu perdi.
Sem palavras, olhei para uma das paredes do salão e vi algo que me comoveu profundamente: duas camisetas da seleção brasileira feminina de basquete, presenteadas por Hortência e Paula, uma bandeira do Brasil e uma camisa do Corinthians, presenteadas por Lula.
Depois disso ele me convidou para uma partida de futebol no seu brinquedo predileto, o Playstation.
Retornei ao Brasil e por um longo tempo não comentei nada com ninguém. Um dia, quando estávamos jogando uma pelada e tomando umas biritas na Granja do Torto, o Lula me perguntou:
-E então Brás, você ganhou ou perdeu?
-Calma Lula, o jogo ainda está no intervalo, tem mais um tempo para meu time dar a virada.
Lula me olhou com aquele olhar matreiro, deu um trago e fuzilou:
-Você sabe de qual jogo estou falando "companheiro". Do Playstation do Fidel, pô!
-Ah, aquele jogo. Perdi, claro.
E demos muitas gargalhadas".
Depois disso, Brás estava num avião em direção a Cuba onde iria fazer outra visita para seu amigo Fidel quando o avião perdeu-se no Triângulo das Bermudas. Brás não chegou a ver a ministra chefe da casa civil, nomeada depois de sua recusa ao cargo, tornar-se presidenta do Brasil.




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