segunda-feira, 28 de novembro de 2011

PRESA AO PASSADO


Era uma mulher interessante, inteligente, de palavras doces, porém com um toque de amargura em sua voz suave. Flutuava entre a alegria e a tristeza com a mesma velocidade de um paraquedista em queda livre. Ora estava feliz, alegre, radiante e minutos depois já podia ser vista entre lágrimas e murmúrios. Havia algo de extraordinário nela que suscitava a curiosidade daqueles que a conheciam. Os velhos amigos ficavam intrigados com a mudança de comportamento que agora presenciavam, e os amigos novos não entendiam muito bem o que se passava com ela. Agora era frequentadora de bares, boates, lugares apinhados de gente, na maioria bem mais jovens que ela e seu grupo de amigas. Estava redescobrindo aquele outro lado da vida que há muito não vivenciava. Ficara casada quase 20 anos, tinha uma vida estável, filhos maravilhosos, um relacionamento sem sobressaltos. Não foi à toa que levara um susto quando recebera a notícia da separação. Assim, sem mais nem menos o marido disse que estava de partida. O mundo caiu sob seus pés. Vivia sua vida em função da família e agora ela iria se desmantelar. Não acreditava no que estava acontecendo. Argumentou, chorou, descabelou-se, mas não adiantou. Ele havia tomado sua decisão e ela teria que encarar os fatos. E encarou, já que não tinha outro jeito. Ele se foi, ela ficou em casa com os filhos, dois adolescentes em plena fase de transição. Ela teria que deixar de lado seu sofrimento, sua mágoa, seu rancor e dedicar-se a eles ainda mais, pois precisariam mais do que nunca da figura da mãe. Ela passou a dividir sua vida entre seu trabalho de assistente social e seus filhos. Muitas pessoas precisavam de sua assistência, mas ela precisava mais do que nunca das pessoas. E não tinha ninguém. Ficara só, com seus travesseiros. Quando se recolhia para dormir, somente o choro a consolava. Chorava sozinha, não queria demonstrar fraqueza diante dos filhos, embora isso não fosse possível todo o tempo. Sentia raiva e até mesmo ódio de si mesma. Sentia-se culpada por seu casamento ter acabado, achava que havia algo errado com ela. Sua autoestima acabou e ela sentia-se a pior mulher do mundo, a pior esposa, a pior pessoa. O abandono deixou marcas. Agora em sua nova vida procurava disfarçar a tristeza que sentia, a raiva de si mesma, na companhia de amigas em bares e casas noturnas. Havia sempre quem quisesse confortá-la, sempre ouvia palavras sinceras de ânimo, mas nada conseguia tirar aquele sentimento ruim do seu peito. Não conseguia esquecer o passado, não conseguia perdoar seu marido e principalmente a si mesma.
O tempo foi passando, as coisas foram-se acomodando, pessoas foram passando pela sua vida, umas com mais outras com menos importância e ela continuava se sentindo a pior das mulheres. Até que um dia ela redescobriu seu valor. Como que por um encanto, acordou certa manhã, olhou-se no espelho e enxergou uma nova pessoa, uma nova mulher. Ela não entendia bem o que acontecia, sabia apenas que estava se sentindo diferente. Olhou novamente no espelho e viu-se mais jovem, mais bela, seus olhos brilhavam como há muito não acontecia. Arrumou-se e saiu para o trabalho como fazia todas as manhãs, mas desta vez até seus filhos perceberam que havia algo diferente nela, estava sorridente. Ela não sabia por que, mas estava feliz. Ao chegar no seu ambiente de trabalho os colegas logo perceberam que ela estava com um astral jamais visto, falante, sorridente. Perguntavam o que tinha acontecido e ela simplesmente respondia "nada, por quê?". Foi então, que lá pelas tantas do dia entrou em sua sala um homem que ela nunca havia visto antes, olhou em seus olhos e disse "você é a mulher da minha vida, sonhei com você a vida inteira"! Nossa, o que fora aquilo. Ela quase desmaiou de susto, ficou sem jeito, sem saber o que dizer e o que pensar, mas o homem continuou: "vamos sair pra jantar hoje, temos muito o que conversar". Ele não fez uma pergunta, ele fez uma afirmativa, e diante de uma afirmativa como esta, não havia como ela dizer não. Ele saiu, não sem antes anotar o número do seu telefone e seu endereço. Ela, estonteante, não conseguiu dizer não. Passado o susto, ela se recompôs e começou a refletir em tudo o que acontecera naquele dia desde a hora em que acordara. Então entendeu que ela também sabia que algo extraordinário aconteceria naquele dia, só não sabia o que.
Bem, se os dois se entenderam isso na verdade não importa. O que importa é que ela entendeu que sua vida tinha que ser vivida para o futuro e não para o passado. Entendeu que enquanto não se libertasse do passado não conseguiria ser feliz novamente. O futuro traz consigo a esperança de uma vida melhor, basta fazê-la melhor; o passado deixa suas marcas e não pode ser mudado; e, na verdade, o que se tem é o presente. Por isso, é o presente que tem que ser vivido intensamente e da melhor maneira possível. Prefira o riso ao choro, nenhum deles resolve seus problemas, mas o riso alegra a vida, sua e dos outros, portanto, opte por ele.    

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A RETOMADA DAS FAVELAS



Domingo, 13 de novembro de 2011. As forças de segurança em apenas algumas horas retomaram as favelas da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu na cidade do Rio de Janeiro que estavam sob o domínio de traficantes desde a década de 1970. As forças foram formadas por mais de 3000 homens do Batalhão de Choque e do Batalhão de Operações Especiais(Bope) da Polícia Militar e da Marinha. Foram utilizados armamentos pesados, helicópteros e até carros blindados, formando uma verdadeira operação de guerra. Ao meio dia a bandeira nacional foi hasteada como símbolo da retomada de um território até então sem lei, sem a presença do estado.  
O episódio foi comemorado pelos governantes como se fora a conquista do território de uma nação inimiga em uma guerra. Acontece porém que trata-se de um território pequeno se comparado a uma nação qualquer, com cerca de 70.000 habitantes; pessoas honestas e trabalhadoras, mas esquecidas dentro de seu próprio país. A polícia informou que a quadrilha de traficantes que dominava o local era formada por cerca de 200 homens fortemente armados. 
Indignado pergunto: se dava para fazer assim, por que não foi feito antes? Um pequeno exército de 200 homens dominou um território por mais de 40 anos, expondo pessoas de bem, famílias inteiras, crianças, jovens e adultos a perigos constantes e mortes violentas, aliciou menores e arrebanhou-os para seu lado por pura covardia, descaso e interesses escusos daqueles que deveriam dar proteção e condições de vida digna a esses moradores. Agora aqueles mesmos comemoram como se tivessem tido uma grande vitória! Estou estupefato diante de tudo isso. E as mortes? E as crianças perdidas para o tráfico? E as vidas sem perspectivas que se perderam durante todos esses anos? Quem vai se responsabilizar por elas? Quanto prejuízo foi causado nesse território e em tantos outros que ainda estão sob o domínio do mal por pura negligência ou conivência do estado? Poucas horas de um dia foram suficientes para desarticular o comando do tráfico em 3 favelas na cidade do Rio de Janeiro, apenas poucas horas! Quanto dinheiro foi necessário para realizar essa operação? Não faço ideia, mas acredito que muito menos do que o estado gastou nesses 40 anos com atendimento a vitimas da violência, com programas de reabilitação de dependentes de drogas, com tentativas de retomada(que houveram várias) frustradas e mal planejadas(acredito que de propósito), com projetos malsucedidos, enfim. Com certeza milhões foram gastos e mais milhões ainda foram desviados pela corrupção que se hospeda no poder público brasileiro. Agora, às vésperas de sediar a Copa do Mundo de futebol e posteriormente os Jogos Olímpicos deflagram-se operações como essa simplesmente para dar satisfação à opinião pública internacional. Ninguém está realmente preocupado com as pessoas, os seres humanos, os cidadãos brasileiros que vivem nas favelas em condições insalubres quer pela ausência do estado quer pela presença e domínio do banditismo. 
Até quando? Pergunto indignado novamente: se dava para fazer assim, por que não foi feito antes?


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